sexta-feira, 2 de abril de 2010

Zé ninguém

             Acordei assim:
não abri os olhos por um bom tempo.
Mesmo assim, eu sabia que eu tava acordado.
Não porque eu podia ouvir a gritaria que estava lá fora.
Mas porque eu sentia o cheiro de queimado que vinha da cozinha.
Sentei na cama. Eu sabia que ninguém iria vir ver se eu estava acordado - nem o contrario.
Talvez o fato de eu não morar com meus pais. Ou talvez só o fato de que ninguém sabia que eu vivia, respirava, existia.
Levantei. Sem esperanças de acontecer algo que me deixasse feliz ou ansioso para dar o próximo passo.
Não estava ansioso para dar o próximo passo. Não queria saber o que me aconteceria a seguir.
Quer saber. Não queria estar acordado. Seria tão bom dormir o dia inteiro.
Passei pela cozinha, vi Rosa e Rubens comendo seus pães com manteiga. Não gosto de pão com manteiga.
Não sei por que. Entrei no banheiro e me olhei no espelho.
Não era a minha coisa preferida. Olhar no espelho me desanimava.Ver aquele moleque magrelo e narigudo não era a melhor visão. Herdara a pele morena da minha mãe, mas meu nariz... Não sei de quem herdei.
Talvez eu fosse adotado. Não me entendia com meus pais. Por isso vir morar com Tia Bete.
Ela não é das melhores parentes. Mas tem uma pensão com vários quartos. Ou seja, não preciso ficar dando de cara com as pessoas toda hora. Posso apenas deitar em minha cama e ouvir música.
Esse ritual apenas é quebrado quando dá 19 horas e tenho que ir para a escola.
Tenho 17 anos. Estou no ultimo ano letivo. Não vejo a hora de terminar. Não pra fazer uma faculdade - até porque ainda nem escolhi o que quero fazer. Mas pela sensação de liberdade.
     Chegando na escola, aconteceu o previsto, ninguém se quer teve reação à minha estadia. Ninguem me vira, ninguém me ouvira.
Mas, para um inútil como eu, isso é normal..
Sentei na minha cadeira de sempre. Olhava para os lados e via os grupos que se formavam ao meu redor. Os Populares, os Funkeiros, os Emos, as garotas... e, fora de todos esses grupos estava eu.
   Eu não participava de nenhum grupo. Não tinha amigos na escola - e em lugar nenhum.
   Enquanto olhava ao redor, percebia as características clássicas de cada um:  os funkeiros usavam roupas de marca (ou cópias muito bem reproduzidas) e calças apertadas nos calcanhares; Os emos tabém usavam calças apertadas, mas suas roupas eram mais coloridas e usavam franjas; As garotas, todas vaidosas e os Populares, Vitor, Bruno e André.
    Vitor parecia ser o líder daqueles três. Ele sempre andava à frente. Era o mais mal-encarado dos três também. Ele tinha uma aparência sombria, soturna. Não que eu tivesse medo dele, mas ele não era flor que se cheire. Nunca falei com ele. Tinha cabelos curtos, negros. Pele branca, quase que pálida. Seus olhos eram de uma cor que nunca havia visto antes
   Sua namorada, Andressa, fazia parte do grupo das garotas vaidosas. A garota mais linda que já ví em minha vida. seus cabelos castanhos, lisos, caíam sobre seu ombros formando uma ondulação. Usava franja mas ainda dava para ver seus olhos azuis. Pele rosada. Linda! Demais para mim. Demais para qualquer um, imagino. Vitor era o cara mais sortudo do mundo!
    Naquele dia, Vitor parecia nervoso. percebi que sua pele estava meio desidratada. Ele estava bem tenso. Mesmo assim conseguia olhar para Andressa e dar sorrisinhos.
     Terminou a 3ª Aula e começara o intervalo.
   Todos em seus grupos, conversando, rindo, brincando. Exceto eu. Eu fico sentado na escada, olhando a interação entre todos ali. Para mim já era normal fazer aquilo todo dia.
   Eu podia dizer o nome de todos.
   Eu continuava sentado ali, observando todos que passavam e fingiam não me ver.
   Vagando minha mente, ouvi uma conversa ao meu lado. vozes em sussurros.
    - Quer ir a minha casa hoje?- perguntara a voz que reconheci como a de Vitor.
    - Já tá meio tarde você não acha? - Respondera Andressa.
    - Que nada. Meus pais saíram. Podemos cabular e ir até lá... o que acha?
   Andressa vacilou mas depois respondeu:
    - Tá bom.
    Não sei porque, mas senti um pouco de ciume com aquilo. Mas quem era eu para me meter em qualquer assunto de qualquer um?
   O intervalo acabou e voltamos todos à sala de aula. Todos menos Andressa e Vitor, que cabularam nesse momento - a segurança da escola nunca foi muito boa.


    A aula de história era sempre a mais legal.
   O professor, Alberto, tinha cara de bravo, mas era bem extrovertido. Falava em tom sério porém era engraçado.
   Ele passou um trabalho sobre a Igreja Católica e formou duplas. Para minha surpresa e espanto, meu companheiro de dupla era André, o amigo de Vitor.
  No momento em que o professor disse "Renan... fará o trabalho com André", este olhou para mim.
   Foi a primeira vez que senti que alguém estava mesmo me vendo. Apesar do olhar indiferente.
   
A aula acabou e todos saíram com seus grupos. A maioria não iria para casa direto. Iriam para bares, alguns iriam ficar lá, conversando. Eu fui para casa.
    A rua estava escura, provavelmente todos estavam dormindo, até porque já eram 23:30.
    Cheguei em casa, todos estavam dormindo.
    Fui direto para minha cama, sem saber o que aconteceria, que mudaria minha vida pacata e calma.
   coloquei o fone de ouvido e liguei meu MP3. Coloquei no ultimo volume. Escutava Panic at the Disco quando caí no sono.


  Em meu sonho, eu pendia sobre uma luz, com milhões de cacos de vidro em volta de mim. Algo como dois lençois de plumas me cercavam. Eu abria os olhos lentamente quando fui despertado por um barulho de janela se fechando com força. Não me assustei muito, mas abri os olhos e vi o horário no relógio "00:00".
    Tirei os fones de ouvido e então ouvi um barulho de bater de dentes. Corri a visão pelo quarto e então ví alguém sentado no canto da parede, com a cabeça entre as pernas arranhadas. Ela tremia e chorava. Levantou o rosto e, ainda com os cabelos na cara consegui reconhecer quem era.
     - Me ajuda...

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