domingo, 20 de junho de 2010

Rituais

  Esperamos até meia-noite e meia por Rubens.
Todos estavamos aflitos. Trocavamos constantemente de posições.
A uma certa hora Rosa adormeceu.
Andressa e eu ficamos acordados conversando.
Falávamos sobre a copa do mundo quando me veio em mente algo que nunca passara antes.
Já passaram-se dois dias desde que Andressa estivera fora de casa e até agora não houve nem sinal de preocupação de sua mãe, pai ou familiar.
Tomei forças e coragem para perguntar. Ela olhava para frente, sorrindo sem mostrar os dentes, vendo a televisão. Tem passado muito nervoso ultimamente.
 - Andressa. - ela olhou para mim automaticamente. Estavamos enrolados em dois cobertores diferentes. - Sua mãe não fica preocupada de você estar...
Ela se levantou antes de eu terminar a pergunta e foi para a cozinha.
Eu entendi que ela não queria falar sobre esse assunto.
Então deixei ela ir.
  Rosa ficou dormindo no sofá e Andressa migrou a meu quarto.
Eu fiquei rondando a casa para me certificar que estava tudo bem.
Olhei na cozinha, na sala - aproveitei para cobrir rosa que estava babando no travesseiro; no banheiro. Já visara todos os comodos e subia as escadas. Até que ouvi um som.
TOC TOC TOC TOC...
Pareciam passos.
Olhei em volta e não havia ninguem mas os passos continuavam.
Olhei pela janela, não havia ninguém.
Olhei para cima e me concentrei no teto. Percorri com o olhar toda a camada superior de telhas. Olhava fixamente para o lustre lá no alto quando ouvi: TOC TOC TOC.
Estava no teto.
Tentei seguir pelo som. Estava indo em direção à meu quarto.
Subi a escada correndo e ao pisar no ultimo degrau de cima ouvi um grito curto e fino. Era Andressa.
Sai correndo para o quarto e ao chegar lá vi Andressa de pé olhando para o vidro da janela.
 - O que aconteceu - Me aproximei da janela.
  - Algo caiu de lá de cima - disse ela, - e foi parar lá embaixo, naquela moita - ela apontou para o monte de grama que tinha na parte de terra do quintal da pensão.
Pensei sobre. Devia ser um gato.
Disse minha hipótese à ela e ela pareceu concordar.
Ela deitou na minha cama e eu sentei na ponta da mesma.
Eu olhava de cima a baixo procurando algum assunto. E mais uma vez me sentia um idiota, um zé ninguém.
 - Olha - eu disse à ela, - desculpa por mais cedo...
  - Tudo bem - disse ela. Eu não via seu rosto, mas podia sentir que ela puxava um canto da boca pra falar. - Me desculpe por não ter te respondido como devia.
 - Tudo bem.
Ficamos, então, em um silencio torturante.
Eu teria sido o primeiro a quebrar o silencio se, quando eu abria a boca, ela disse:
  - Por que nunca fala com ninguém na escola?
Esta pergunta me pegou de surpresa.
 - Ham... Bem... Ninguém nunca falou comigo...
Ela riu controladamente.
 - Que foi? - perguntei.
  - Nada não.
O silencio dessa vez foi curto.
 - Tabata disse que irá vir aqui amanhã.
Andressa sentou-se na cama.
  - Você conseguiu falar com ela?
 - Sim - eu disse e estava contente com a mudança de humor dela.
  - Ah! meu Deus. Obrigada, Renan.
Ela me abraçou. Então uma sensação gelada percorreu todo o meu corpo. E minha ficha caiu.
Toda vez que Andressa me tocava acontecia aquilo. Eu me sentia mais forte, mais poderoso; Como se eu pudesse voar. Minhas mãos formigavam. Larguei-me de seu abraço e olhei para mim mesmo. Olhei para ela e ela parecia confusa.
 - Como... Por que acontece isso?
  - Não entendi - respondeu ela com evidente confusão no rosto.
 - Essa sensação. Você... - Sacudi a cabeça e me virei. Tentei pensar melhor com as mãos na cabeça.
Me virei. Tinha que saber o porquê. Tinha que saber o que aquilo era.
Cheguei mais perto dela e coloquei a mão em seu rosto. Foi como se uma corrente elétrica passasse por dentro de mim. Tirei a mão de seu rosto. Parou.
Ela me olhava atentamente; como se esperasse que eu fizesse algo - algo que eu não fiz.
Olhei para minhas mãos. Nada mudara nelas.
 - Acho melhor irmos dormir - disse eu, por fim.


O dia amanheceu sem nenhuma noticia de Rubens.
  - Ele sabe se cuidar, Rosa - Andressa consolava Rosa.
Rosa estava triste.
Os planos daquele dia me passavam na cabeça. Quase me esquecera que hoje eu teria que ir na casa de André fazer um trabalho.
  - Pode ser perigoso! - Andressa tentava me convencer a não ir.
 - Eu tenho que ir. Posso descobrir algo que nos ajude.
Ela não estava satisfeita com isso. Achava muito perigoso eu ir na casa do "inimigo". Sendo que eu achava mais perigoso deixa-la aqui.
A campainha tocou. Estranho alguém tocar a campainha com a porta arrombada daquele jeito.
Coloquei a cabeça para fora da porta e vi a figura ruiva com cabelos volumosos. A luz do sol ofuscava e fazia o aparelho em seus dentes brilharem.
 - Entre - sussurrei.
  - Não virá abrir a porta? - gritou ela do portão
Apontei com a cabeça para o buraco no meio do portão e ela murmurou algo sobre "anti-cavalheirismo".
Abri a porta e deixei ela entrar. Tabata, assim que a viu, correu abraçar Andressa.
 As duas seguiram para a sala de estar e eu fui junto a elas.
  - Meu Deu! eu fiquei muito preocupada. - disse Tabata mechendo numa mecha de cabelo de Andressa. - Eu te disse que aquele cara não era bom para você.
  - Eu sei. - Andressa se lembrava de Vitor com muita dor, mas podia ver a felicidade dela em ver a prima.
  - Me conte o que aconteceu exatamente.
Andressa contou à prima, detalhe por detalhe. Ela olhava Andressa com muita atenção. Estudava as expressões da prima e as vezes fazia um beicinho de quem está triste.
 - Certo - disse a "paranormal", - O que posso fazer por você é tentar saber o que ele pode fazer, quais são suas limitações. Você tem que estar plenamente interessada nisso para conseguirmos.
  -O.k. - Andressa disse ao mesmo tempo que assentiu com a cabeça.
  - Pois bem. Vamos precisar de um copo e de um tabuleiro Ouija.
Eu ouvi bem?
 - Epa, epa, epa! - protestei. - Que história é essa de tabuleiro ouija?
  - Você não conhece? É bem útil.
 - Eu conheço muito bem... - fui interrompido pela visão de Tabata tirando de sua mochila uma tabua de madeira preta com alguns desenhos estranhos, setas, letras e números.
 - Vocês não vão... - Jogar esse troço, vão seria o que eu diria. E pelo olhar delas, sim seria a resposta.


Andressa colocou o dedo no copo, Tabata fez o mesmo. Eu coloquei também, mas juro que eu só queria ajudar Andressa.
  - Podemos entrar no jogo? - perguntou Tabata. Eu nunca fui muito de acreditar nessas coisas. Mas, ou tinha um rato dentro do copo ou ele se moveu. Parou na palavra "sim". Estremeci. Porquê eu estava fazendo aquilo mesmo?
  - Quem é a entidade que fala conosco?
O copo se moveu e parou na letra "O", depois migrou para a letra "D", "I", contornou até a letra "A", andou um pouquinho até o "C" e parou em "O". "Odiaco"? 
  - Você pode nos ajudar? - perguntou Tabata e eu já estava ficando muito assustado com tudo aquilo.
O copo se moveu até a palavra "sim".
  - O Vitor tem algum pacto oculto? - quem disse foi Andressa.
O copo não se moveu. Permaneceu na palavra "sim".
Andressa se encolheu aonde estava.
Eu estava muito curioso agora, queria saber muitas coisas sobre o incidente. Então perguntei.
 - Qual foi a razão de ele ter feito isso?
Porém ao mesmo tempo que eu disse, Tabata perguntou algo também.
O copo pareceu criar vida. Começou a girar em seu eixo, saiu da tábua e planava no ar. Até que se jogou longe. Não quebrou, mas não consegui acha-lo depois.
Tabata me olhou com um ódio profundo.
  - Viu o que você fez? - apontava o dedo na minha cara. - Sobrecarregou ele.
 - Eu Sobrecarreguei ele? Você que falou ao mesmo tempo que eu.
Discutimos mas então vimos que aquilo não levaria a nada. Já estava prestes a dar 14hrs. Eu tinha que ir na casa de André.
 - Eu vou ver se descubro algo útil - eu disse, e eu estava quase apontando para a cara de Tabata para dizer isso. - Enquanto isso, Andressa, você fica aqui com sua prima mutante e ela pode entortar umas colheres de Rosa para você.
Tabata quase soltava fumaça pelos ouvidos. 




Eu achei rápido a casa de André.
Bati na porta pois não havia campainha.
Ele logo atendeu. Não abriu nenhum sorriso falso para mim, mas também foi muito simpático.
Eu entrei e me surpreendi. Eu esperava encontrara um castelo com masmorras e morcegos. No lugar disso encontrei Uma casa branca e serena com janelas de vidro bem grandes que iluminavam todo o ambiente.
  - Meus pais não estão em casa. Por isso tente deixar tudo como está. Eles são muito perfeccionistas - disse ele quando eu toquei em um enfeite de mesa.
 Passamos em frente um espelho e eu parei para me olhar. Eu estava diferente. Meu corpo... estava mudando. Eu estava mais forte, mais musculoso.
Chegamos ao quarto dele e ele jogou para mim um jornal da época de 1974. Dizia exatamente sobre aquilo que queríamos estudar.
 Trocamos ideias e ele até parecia legal. Ele disse que precisava ir ao banheiro. Pela expressão dele devia ser urgente. Ele se esgueirou até lá segurando nas paredes.
Quando ouvi a porta se fechar encostei meu ouvido nela e não ouvi nenhum barulho de agua. Ele ia demorar.
Aproveitei a deixa para vasculhar em seu quarto. Olhei em tudo o que é canto. Figuras de futebol, posters de cantores, revistas impróprias, achei de tudo menos algo que tivesse a ver com o que precisávamos.
Tentei na bolsa dele. Tirei seu caderno e logo achei.
Capa dura e desenhos horríveis: "Sacríficios".
 - Ah! meu Deus - exclamei em voz baixa para mim mesmo.
  - O que está fazendo aí?
Me virei rapidamente e vi André parado na porta me fitando.

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