domingo, 11 de julho de 2010

Fuga

Fechei o livro.
A policia entraria em casa em breve e se eles me vissem iriam querer fazer um monte de perguntas.
Peguei minha bolsa e guardei o livro lá dentro.
Andressa. Ela estava inconsciente.
Onde eu tinha deixado ela? Na cozinha!
Para lá, eu fui.
Desci as escadas e vi, pela janela, o vizinho gritando com o policial. Não queria ouvir o que ele estava gritando.
Fui para a cozinha. Andressa estava acordada. Ela estava sentada no chão, mais ou menos como Rosa estava...
Rosa!
Meu Deus! Onde estaria Rosa? Ela estaria viva?
De repente me deu uma vontade de chorar. Como minha vida mudara tanto de uma hora para outra?
Decidi por procurar Rosa depois.
 - Andressa?
Ela se virou para mim e eu vi seu rosto corar.
  - O-oi - disse ela sorrindo.
A porta - ou o que restou dela - se abriu.
Me abaixei e puxei Andressa para atrás do balcão da cozinha. Fiz sinal para ela fazer silêncio. Dei uma olhadela para ver se eles já haviam entrado. Sim. Eles estavam empurrando os pedaços de parede que estavam no chão com os pés para passarem pela porta. Tinha que arranjar um jeito de sair dali e de levar Andressa. "Proteja Andressa com sua vida" dissera Gabriel - o estranho. Algo dentro de mim dizia que eu tinha que fazer aquilo. Toda vez que eu olhava para ela, a tocava, toda vez que eu estava próximo dela eu sentia que ela fazia parte de mim. Como se minha vida fosse dela. Como se minha existência fosse para ela. Olhei-a e peguei me fitando com um sorriso. Ela sorria meio constrangida.
 - Que foi? - sussurrei.
O sorriso se desfez como se ela percebesse que estava fazendo isso só agora.
  - Nada - disse ela, balançando a cabeça e logo escondendo o rosto de mim.
Não iria discutir aquilo ali. Não havia tempo. A gente tinha que sair de lá.
Olhei para frente, para os lados. Só havia a janela como esperança. Mas se saíssemos por ela alguém nos veria do lado de fora. Ainda assim, a moto estava lá fora.
 - Droga! - disse eu alto demais.
  - Alô? Tem alguém aí? - gritou um dos policias.
Como alguém pode ser tão idiota como eu sou? O que eu faria agora?
Olhei para Andressa. De alguma forma ela clareava minhas ideias. Na verdade, ela me fazia pensar em milhões de coisas ao mesmo tempo. Ela estava fazendo um movimento de mãos um tanto estranho. Seus dedos apontados um para o outro se juntavam e se largavam em sincronia. Olhei suas mãos e olhei seu rosto ainda vermelho.
 - Segura minha mão.
Ela olhou para mim, eu podia ver milhões de pensamentos passando por sua mente. Ela obedeceu e logo senti o formigamento já habitual.
De repente eu pensava mais rápido. Olhei em volta e vi uns pedaços de tijolo no chão.
Os policiais estavam vindo para cá quando eu lancei um pedaço de tijolo na geladeira.
Não podia ver os policiais, mas ouvi que seus passos cessaram. Lancei outro e acertei o microondas. Minha pontaria estava bem aguçada. Eu começara a achar tudo aquilo engraçado depois de um tempo. Esse negócio, essa ligação que eu tinha com Andressa.
  - Vamos lá ver. - sussurrou um policial para o outro.
Olhei pela beirada do balcão e vi os dois indo para a cozinha. Era nossa chance.
Levantei a mim e Andressa num instante e logo estávamos correndo para subir as escadas, mas tomando muito cuidado para não sermos ouvidos.
Chegamos no meu quarto.
Andressa não tinha nada para pegar. As roupas que estava usando eram de Rosa.
 - Pronta? - virei para ela e vi a expressão de determinação em seu rosto. Ela também mudara bastante durante esses dias. Quando a conheci era um pouco fútil; Frágil. Hoje vê-se em seu rosto que mudou. Tinha uma determinação e uma vontade de viver imensa.
  - Pronta.
Abri a janela e dei passagem para ela. Ela já havia pulado para entrar. Poderia pular para sair tranquilamente.
De repente me veio um pensamento: Já havia quase uma semana que Andressa não saia de minha casa. hoje ela voltaria a ver o mundo lá de fora.
Ela pulou e eu fui logo atrás dela.
Assim que chegamos ao chão nos abaixamos. Olhei para os lados e vi não seria visto embora houvesse muita gente do outro lado da rua.
 - Vamos! - sussurrei para Andressa.
Corremos para a moto.
Sentei no meu banco e ela na garupa. Ela agarrou minha cintura e senti minha energia dobrar.
Meus lábios se elevaram e percebi que eu estava sorrindo.
Dei a partida e, agora sim, chamei a atenção de todos. Acelerei e saí daquela rua. Podia sentir os olhares me seguindo.
Agora estávamos na estrada. Para onde iríamos, porém, eu não sabia.
 - Onde Tabata mora? - meio que gritei essa frase.
  - Vire a próxima esquerda.
Esperei a rua chegar e virei a rua.
  - Agora vire a direita - Andressa me indicava o caminho.


Finalmente chegamos à casa da outra estranha.
Descemos da moto.
Andressa correu para a porta onde tocou a campainha apressada.
Agora eu entendi porque ela tinha ido se esconder na minha casa. Tabata morava há quase dois bairros da escola.
Alguém atendera a porta. Era uma mulher alta e magra. Rosto fino, nariz elevado, ruiva igual à Tabata. Porém seus cabelos eram curtos e um pouco menos volumosos que o dela.
  - Tia! - Andressa pulou para abraçá-la.
  - Andressa! Meu Deus! - exclamou a que devia ser a mãe da Tabata.


Entramos na casa e após de nos contar um monte de coisas constrangedoras sobre Tabata, Ana nos ofereceu leite e biscoitos.
 - Obrigado, dona Ana.
  - Oh! me chame só de Ana, garoto.
Ela era legal. Tabata estava na escola. Eu havia esquecido. Estávamos em plena quinta-feira, eu devia estar na escola também.
Decidimos que esperaríamos ela até ela chegar. Mas, havia um problema.
  - Você tem que fazer isso mesmo? - Andressa tentava me persuadir.
 - É bom que fiquemos uns dias por aqui. Se eu deixar a moto lá os policiais vão nos achar rápido. Preciso levá-la para algum lugar longe daqui para despistarmos eles.
Ela sabia que eu estava certo, então me deixou ir.
  - Ah - ela chamou-me, - Renan.
Virei-me e ela veio em minha direção. Ela me beijou.
O ar parecia ter uma pressão enorme sobre minhas costas num instante.
Ela largou meus lábios sorrindo.
Eu fiquei parado ali tentando digerir o acontecimento. Ela... me beijou. Por vontade própria?
  - É melhor ir logo - Ela apontava para a porta e ainda sorria.
Apenas nesse instante percebi que eu tocava meus lábios.
Sacudi a cabeça e logo um sorriso se abriu em meus lábios.
Ela me beijou.


Andei com a moto pelas ruas e achei um bom lugar para deixá-la. Que desperdício.
Deixei-a jogada ali no chão de uma calçada de grama próxima à uma escola primária. Só deixei ali porque não havia ninguém para testemunhar lá.
Bom. Agora eu teria que voltar para a casa de Tabata andando. Mas será que eu lembrava o caminho?
Eu tinha uma boa memória fotográfica. Acho que eu acharia sim. Mas teria que ir andando pois não havia trazido dinheiro para pegar um ônibus.
Andei um pouco pelas ruas à minha frente até que avistei uma figura conhecida. Era André.
Caramba! Eu andei tanto que mal percebi que estava na rua do amigo de Vitor, meu companheiro de trabalho.
Me senti na necessidade de me esconder e fiz isso. Me abaixei atrás de um carro e vi ele andando, meio desconfiado, olhando para os lados. O segui.


Ele entrou em uma casa abandonada. Não era uma casa abandonada qualquer, era a mesma daquela visão que tive ao agarrar o copo. O que ele estaria fazendo ali?
Me esquivei pelas árvores que cercavam a casa e me agachei embaixo de uma janela. De lá pude ouvir vozes baixas, mas audíveis.
  - Mas o que aconteceu com ele? - André.
  - Ele está assim já faz umas horas. - a voz de Bruno soava desesperadora.
Uma lembrança me veio à cabeça. Lembrei-me daquele rapaz a quem Bruno matara em minha visão. Como se fosse uma luz se acendendo eu me lembrei dele. Jonas... acho que era esse o nome dele. Lembrei-me vagamente dele pois não o vi por muito tempo. Ele era da minha sala. Quando as aulas começaram ele e Vitor já eram amigos. André não. André veio a ser amigo de Vitor recentemente.
Isso não era bom.
Levantei um pouco a cabeça para olhar lá dentro e vi Bruno levando André para algum cômodo ao lado.
Era minha deixa. Pulei a janela e fiz um barulho imenso. Idiota. Por sorte ninguém ouviu... ou pelo menos não se incomodaram. Aquela casa era velha e toda arrebentada. Um rato caindo da escada poderia fazer o maior estrago.
Havia apenas uma luz fraca no cômodo o qual André tinha sido levado.
A luz foi apagada e mergulhei numa escuridão atordoante.
 - Bruno? - André chamou num tom alto. - Bruno?
De repente um som cortante como o de uma faca acertando carne.
  - Argh - André gemeu.
 - Ah, não - sussurrei.
Engatinhei às cegas pelo chão até que senti uma coisa gelada sob meus joelhos. Tirei as mãos do chão e esfreguei os dedos um no outro. Era liquido. Nem queria pensar no que era.
Tirei meu celular do bolso e rezei para meu plano funcionar.
Coloquei para tocar música e joguei o aparelho para cima de algum lugar invisível no escuro.
A música começou a tocar.

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