domingo, 29 de agosto de 2010

Asas

Dei um salto, mas não esperava que eu permaneceria no ar por mais de dois segundos.
Dei um impulso com os pés e então alcancei uma altura inimaginável. Não era experiente naquilo, mas consegui dar um lupping no ar. Era uma sensação incrível. Voar. Eu nunca imaginei que conseguiria fazer isso um dia. Nunca imaginei que conseguiria fazer isso em vida. Realmente eu não conseguira.Eu não estava mais vivo. Eu não sabia o que eu sentia. Não sabia se eu sentia.
 Desci a toda velocidade e me joguei em direção à Thomazrael. Ergui meu braço direito — agora, sem dor nenhuma — e lhe dei um murro no rosto. Ele voou para trás e eu sub, ainda usando os lençóis de penas que eu tinha presos às costas.
Thomáz estava diferente. Ele não estava mais com a forma de Bruno que eu conhecia. Havia coisas neles que o diferenciavam da última vez que eu o vira. Ele tinha tatuagens ou marcas. Formavam desenhos nele. Em seu tronco, podia-se ver vários desenhos formados por, eu imaginava, queimaduras. Desenhos que simbolizavam mortes, torturas, pecados explícitos. Ainda fosse só isso, pude ver em suas mãos, furos. Buracos que lhe ocupavam quase a palma inteira. Seu rosto ainda tinha a aparência de Bruno.
Thomáz caiu de costas em cima dos restos da parede que ele derrubara quando eu o jogara.
Olhei para trás e vi André e Rosa avançando em minha direção. André tinha ferimentos no braço direito, ferimentos que representavam facadas. Rosa tinha marcas roxas acima da testa. Parecia que ela tinha perdido os cabelos em uma metade da cabeça. Ela estava horrível. Os dois corriam em minha direção e parecia que iam atacar.
Tentei focalizar a fonte de meu poder. Pensei naquela cujo eu dera a vida. Naquela cujo eu me sacrificara. Aquela que eu amo. Pensei em Andressa. e logo me senti mais poderoso, como se o mundo fosse girar na direção que eu quisesse . E o mundo giraria na minha direção. Fechei os olhos e imaginei o toque de Andressa em meu corpo, o foi o que eu senti. Abri os olhos e bati uma mão na outra. o vento pareceu seguir minhas mãos. Logo, com um impulso de minhas asas, uma rajada de vento atingiu os dois. Rosa voou para trás, assim como Thomáz quando eu lhe dera um murro. André, porém, saltara no exato momento em que eu usara meu novo poder descoberto, escapando dele. Logo ele estava em cima de mim com as mãos em minha cabeça, em meus olhos, me impedindo de vê-lo. Eu me balançava mas ele continuava em minhas costas. Estendi os braços atrás de meu corpo e o agarrei pela cintura. Puxei-o e joguei-o no chão. Estendi minha mão em sua direção e vi seu rosto, com os olhos vermelhos. Senti dó dele. Ele não sabia de nada. Ele era, com certeza, um inocente nessa história. Fechei minha mão e olhei para o lado. Bruno, ou melhor, Thomazrael — eu demoraria a me acostumar com esse nome — se levantava se limpando da sujeira. Corri em sua direção com o cotovelo direito erguido, iria lhe dar um golpe. Ele desviou no último instante e agarrou meu braço esquerdo. Ele o puxou com tanta força que quebrou o ante-braço. Dor, achei que não a sentiria de novo. Mas era uma dor diferente. Parecia mais como se pequenas explosões ocorressem dentro de meu braço. O toquei e percebi que ele voltava ao normal. Será que havia ossos lá dentro?

— É bom, não? — disse Thomáz meio a um sorriso.
Olhei-o sério tentando entender o que ele dizia.
— Poder se regenerar. É uma das maravilhas de ser um Anjo.
O fitava com desprezo, quem era aquele imbecil? Quem ele pensava ser?
— Com o tempo você vai descobrir as maravilhas, os poderes, as vantagens... — fez uma pausa e sorriu. — As desvantagens, as tentações, as regras... as malditas regras.
Seu tom de voz estava mudando. Assim como os desenhos em seu corpo. Eles pareciam agora criar vida, se mexiam criando cenas animadas horríveis.
Mais uma vez corri em sua direção, com um plano. Na mesma posição em que eu investira nele da última vez, me joguei para cima dele. Ele, como eu imaginava se esquivara do golpe. Mas, antes de ele poder agarras meu braço outra vez eu agarrei o dele. Puxei seu braço e o joguei à minha frente. Ele caiu dando uma cambalhota de costas. Subi em cima dele e pisei em seu rosto. Depois pensei melhor e disse:
— Hora da vingança.
Tirei meu pé de seu rosto e amassei sua mão. Ouvi alguns crecs. Ele gritou de dor.
A expressão do rosto dele, que era de dor, mudara para uma expressão de divertimento. A mão que eu esmagara a poucos segundos me agarrara o tornozelo com firmeza. Thomáz puxou minha perna e eu caí. Depois me vi suspenso no ar. Olhei para Thomazrael e vi duas asas negras como a de um corvo brotarem de suas costas. Suas asas estavam depenadas. Como se as tivessem arrancado e elas tivessem renascido com defeito. Ele voou para cima, me levando. Eu via a casa se distanciando, estávamos à uma distância imensa do chão.
Eu me balançava mas ele não me soltava. O que ele planejara, me soltar no infinito?
Balancei meu corpo para trás e peguei impulso para ir para frente, chegar na altura dos tornozelos dele. Agarrei-o e o puxei. Ele eu um tranco soltou minha perna. Agora eu estava pendurado na perna dele e ele perdendo altitude. Ele sacudiu suas asas e foi ganhando o céu, mas com um peso em suas pernas ficaria difícil voar. Puxei mais sua perna e ele foi para baixo. Ainda confuso para como usar minhas amigas das costas, pensei em pássaros. Agora eu sentia mais membros em meu corpo. Tentei obter seu controle, apesar de difícil. Consegui. Agora eu sacudia os lençóis de penas que eu carregava. Ganhei altitude e me afastei de Thomáz. Quando ele percebeu isso deu uma pirueta para trás e lançou seus braços para frente em uma velocidade incrível. Eu achava que ele poderia fazer melhor, mas o que aconteceu foi apenas um vento. Logo percebi que ele era mais que esperto que eu pensara, e, de trás dele, surgiu uma caçamba de lixo. Mas... De onde surgira aquela coisa?
Desviei do objeto e o vi cair em direção à rua. Olhei para frente a tempo de ver um punho me acertando a bochecha. Não doeu, mas me deu muito raiva. Perdi altitude.
Investi na direção do Anjo caído e ele desviou. Ele bateu uma palma na outra e então vi de longe carros se levantando do chão da rua. Eles viam em minha direção. Eu desviei de alguns, mas um me acertou. Este eu agarrei pela parte de cima e o rodei no ar. Não sabia que eu tinha tamanha força. Impulso conseguido, o lancei em direção à Thomáz. Ele desviou olhando para o automóvel. Quando voltou a visão à frente, eu já estava em suas costas. Ele tentou se livrar de mim, mas eu agarrara suas asas e estava arrancando pena por pena. Agora vi que ele sentia dor, pois gritava. Consegui arrancar quase dois terços de uma e comecei a atacar a outra. Ele se balançava mais, mas mesmo assim consegui arrancar mais que a metade da outra. Sai de suas costas e percebi que ele não conseguia voar mais. Abracei-o e subi o mais alto que pude. Depois virei de cabeça para baixo e deixei minhas asas de folga. Agora estávamos caindo à toda velocidade.

Quando vivo, eu tinha sonhos onde eu caía. Caía de um prédio enorme. Onde eu nunca alcançava o chão. A sensação era agonizante, mas nada se comparava com o que eu sentia agora. A gravidade me puxava com a maior força possível.
Então o chão chegou.
A casa, literalmente, saiu do chão. A gravidade parecia ter perdido força por cinco segundos dentro da casa abandonada. O chão fora destruído, também, criando uma enorme cratera no meio da sala, onde eu caíra. Cacos de vidro voavam pelo ar.
Me levantei de dentro da cratera. O corpo de Thomáz ainda estava lá. Alcei voo e percebi que alguns cacos de vidro estavam suspensos no ar. Fechei os olhos e lembrei-me de um sonho que tive. Do sonho que tive no dia em que Andressa entrara em minha vida.. Abri os olhos e os cacos de vidro caíram ao chão.
Desci para o solo. Vi Rosa de um lado. Não conseguia sentir energia vital dentro dela. Rosa estava morta.
— Renan! — me chamou uma voz. Uma voz que eu não teria vivido se não a ouvisse. Uma voz que eu não teria morrido não a ouvisse.
— Renan. — chamou Andressa.
Quando menos percebi, ela estava abraçada à meu corpo. Seus braços envolviam minhas costas. Acho que ela não podia ver minhas asas, pois ainda não perguntara sobre elas.
Ela não dizia nada. Eu não a sentia. Olhei para seu rosto e lágrimas escorriam por ele. Eu a abracei também. Meus braços envolviam suas costas e eu ainda assim não sentia nada. A apertei, mas não sentia. Levantei-a do chão e coloquei a em meu colo. Não podia senti-la.
As desvantagens, dissera Thomáz. Eu acabara de conhecer a primeira: Não sentir.
Encostei meu rosto no dela, ela soluçava. Seus braços envolveram meu pescoço.
Olhei para à esquerda e vi André caído ao chão. Dele, eu sentia uma força, pouca, mas eu conseguia sentir.
— Ele está vivo? — perguntei.
Gabriel respondeu, surgindo da minha direita:
— Sim. Leve Andressa para casa, eu cuido dele.
Assenti e dei um impulso para cima. Ganhei o ar.
Andressa adormecera. Eu via a cidade de lá do alto. Queria que Andressa visse aquela imagem maravilhosa. A cidade não era linda, mas vista do alto... todas as luzes... Andressa adoraria aquilo.
Cheguei à casa de Tabata e decidi entrar pela janela. Coloquei Andressa deitada na cama do quarto em que ela tinha ficado a última noite. Ela era linda!
O que aconteceria à nós dois depois de hoje?
Eu não sabia. Saí do quarto com uma última visão de seu rosto, agora adormecido.
— Boa noite, Andressa.


Fiquei um bom tempo sentado no alto da letra "P", das letras de concreto que escreviam ALPHAVILE. Sobrevoei toda a região e, quando menos percebi, chegara à Barueri. Agora eu estava em algum lugar de Alphavile.
Gabriel surgira de trás de mim, me dando um susto.
— Você deve estar confuso.
Eu não respondi. Continuei fitando a rua à minha frente que não era muito movimentada. Ele deve ter tomado isso como um "Sim", pois continuou falando.
— André está bem. Ele vai se recuperar, mas...
Olhei para ele. Ele ficou me olhando e, subitamente, compreendi.
Virei para frente e murmurei uma pergunta.
— Thomáz está vivo?
— Ele está por aí, Renael. — disse Gabriel. — Ele vai voltar. O que aconteceu na casa abandonada apenas lhe deu mais força. O sacrifício fora completado. Sua morte...
Eu compreendia. Meu sangue fora o causador disso. Meu sangue dera mais força à Thomazrael.
— Então, por que disse à Andressa me matar? Por que ofereceu meu sangue a ele?
— A profecia, Renael.
— Mas que merda de profecia é essa?
Gabriel não respondera.
— O seu silêncio não me ajuda em nada.
Sacudi as asas e dei um impulso para frente.
— Eu não posso te dizer, Renael. Mas sei quem pode.
Virei na direção de Gabriel.
— Quem?

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